O conceito de gênero não pode ser pensado dissociado do movimento feminista, pois resulta de um processo que nele teve suas origens. Além do movimento feminista, outros importantes movimentos ocorreram no final da década de 1960 em alguns países dos vários continentes. Entre eles estão os movimento estudantil e movimento hippie que, em comum, traziam a contestação dos papeis e comportamentos sexuais, até então, apontadas como únicos que deveriam ser seguidos. No final da década de 1970, além de outras questões associadas à temática das mulheres, as diferenças sexuais já tinham se tornado pauta das reivindicações feministas.
A utilização do termo gênero associado à divisão natural entre os sexos, foi ao longo dos anos e debates se distanciando das explicações iniciais, tendo por objetivo ultrapassar a concepção natural de sexo. Buscava-se assim, enfatizar a questão dos papéis sociais e discutir as questões relativas às diferenças sexuais e a instauração das desigualdades, tendo por referência tais diferenças.
Essa ampliação do entendimento do termo gênero tornou-se possível após as publicações e debates decorrentes das produções de duas importantes estudiosas feministas da Universidade de Sussex, na Inglaterra, durante os anos 70: Joan Scott e Gayle Rubin. Elas tomaram como referência o fato como as pessoas são educadas para ter comportamentos diferenciados, de acordo com a natureza sexual, isto é, pelo fato de terem nascido macho ou fêmea da espécie humana. Em suas pesquisas, estas estudiosas constataram que em todas as partes do mundo e em todas as épocas registradas pela história, sobre as sociedades patriarcais se manteve a subordinação da mulher ao homem.
Concluíram que não se tratava de fixar-se sobre a 'opressão da mulher', ou 'o problema da mulher', como um assunto em si, mas explorar as relações de gênero, ou seja, as relações sociais que a sociedade foi construindo e passando de geração em geração, cristalizando papeis diferenciados para mulheres e homens, que possibilitaram a subordinação do gênero feminino ao masculino. Além de ser uma questão cultural, trata-se principalmente de uma questão política, ou seja, da relação de poder reforçadas pela construção de situações que envolvem homens e mulheres caracterizadas pela simetria e desiguldade nas relações. De acordo com esta visão, nascer macho ou fêmea é um assunto da natureza. (SAYÃO; BOCK, 2002). Por outro lado, a educação que machos e fêmeas recebem e o comportamento que apresentam em sociedade, isto sim, é um fenômeno cultural e, portanto sofre variações.
Com o tempo, o alargamento do entendimento sobre as questões de gênero e o aprofundamento conceitual no tratamento dessa questão possibilitaram, além de ultrapassar a associações entre gênero e sexo, a superação de enfoques presos a uma oposição binária e maniqueísta entre homens e mulheres. Tais enfoques apresentavam a questão das mulheres na sociedade, ora sob o ângulo da vitimização, ora apontando sua superioridade em relação aos homens em sua "eterna luta contra o sexo oposto". Nesse processo de ampliação do entendimento de gênero, a antropóloga americana MARGARETH MEAD destaca o peso da cultura na determinação dos papeis sexuais, das condutas e comportamentos de homens e mulheres.
No Brasil, segundo Costa(2000), os estudos das relações de gênero foram recebidos na academia como forma de equacionar os impasses relativos à produção historiográfica sobre mulheres. Nas últimas décadas do século XX, o interesse pelo estudo das relações de gênero tem levado a uma fecunda produção, cujas abordagens se inserem no campo da interdisciplinaridade, num diálogo cada vez mais promissor entre as diferentes ciências sociais, e nelas a educação.
Estudos sobre questões como diversidade, identidade e alteridade contribuem para que as produções sobre as relações de gênero incorporem a perspectiva da multiplicidade, da especificidad e e da heterogeneidade, constituindo de forma cada vez mais ampliada, um rico campo de estudos. Significa afirmar que além de ser estudado por várias áreas do conhecimento, as questões de gênero se fazem presentes nos debates que abordam também as questões étnico-raciais, as relacionadas à sexualidade, à saúde, ao trabalho, aos direitos humanos, para citar alguns desses estudos.
Se por um lado diversidade de produções revela a riqueza da temática, por outro lado, apesar dos avanços teóricos e metodológicos ocorridos nas últimas décadas, indica existirem, trabalhos que acabam ainda por associar gênero às mulheres como palavras que se explicam mutuamente. Esse fato demonstra que, nos espaços entendidos como privilegiados, a exemplo da academia, a compreensão e a distinção de ambas as categorias se dão em tempos, momentos e ritmos distintos, resultam de estudos, descobertas e de um processo de amadurecimento por parte de seus autores/as. Tais enganos se devem, entre outros fatores, à amplitude que o termo assume por ser utilizado não apenas nas ciências sociais, mas também em outros áreas do conhecimento, tornando ainda mais ampla e complexo o debate.
Em nossa realidade percebe-se que, embora estejam presentes a todo momento de nosso cotidiano, as relações de gênero ainda não têm sido objeto de discussão em muitos espaços acadêmicos como poderiam. Um exemplo é que, em muitas Instituições de Ensino Superior - IES não é ofertada sequer uma disciplina que trate de forma mais específica e pontual essa questão. Felizmente, já em outras em outras IES, há não apenas disciplinas, como cursos, periódicos e núcleos de pesquisa que há anos vêm discutindo essa temática e suas relações interdisciplinares com importantes contribuições.
Ainda está presente na problemática do gênero um desafio: tanto os movimentos feminista de diversos países quanto os estudiosos da História das Mulheres contam com a adesão de poucas mulheres.
Uma das razões que podem explicar esse fato, diz respeito às questões culturais que nos envolvem, podendo, como já foi visto, reforçar e cristalizar noções deturpadas e estereotipadas que envolvem as questões de gênero e aumentam o distanciamento dos debates e melhor entendimento sobre o tema.
Outra pista está relacionada a forma como entendemos e lidamos com alguns elementos que nos constituem como pessoas, cidadãos e cidadãs: identidade de gênero, identidade sexual, diversidade, alteridade são algumas delas.
Para além das possibilidades apontadas acima, há entretanto, uma certeza: Conhecer e tomar consciência de outras formas de convivência e de ver a realidade implica em sermos desafiados a romper com posições anteriores mais cômodas e consideradas mais seguras, porém desiguais, por na maioria das vezes não atender de forma igualitária aos homens e às mulheres. O respeito à complexidade, às contradições e ambiguidades que envolvem questões referentes ao tornar-se mulher ou homem, as relações entre homens e mulheres e entre estes entre si deve ser o compromisso de cada um de nós. Nesse sentido a educação ocupa um papel de grande relevância.